O ministro Rui Costa (Casa Civil) disse nesta sexta-feira (6) que não existe "nada relevante" até aqui nas revelações sobre o elo da ministra Daniela Carneiro (Turismo) com milicianos do Rio de Janeiro.
A declaração de Rui ocorreu após a primeira reunião ministerial do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), realizada no Palácio do Planalto. O ministro ainda acrescentou que o assunto nem chegou a ser tratado no encontro.
"Esse assunto não foi abordado. Não tem nada relevante, substantivo, que justifique qualquer preocupação neste momento no governo. E portanto isso não está na agenda do governo", afirmou o ministro, que foi o escolhido e o único autorizado a dar entrevistas após a reunião.
Nas redes sociais, Lula publicou fotos da reunião e disse agradecer aos ministros por terem aceitado o convite. Sua fala inicial no encontro foi transmitida pela TV Brasil. Nela, o petista disse que ministros que tiverem alguma ação ilícita serão demitidos do governo.
"Quem fizer errado sabe que tem só um jeito: a pessoa será simplesmente, da forma mais educada possível, convidada a deixar o governo. E se cometer algo grave a pessoa terá que se colocar diante das investigações e da própria Justiça", afirmou.
A declaração ocorre no momento em que a ministra, que é da União Brasil, provoca um desgaste político nesse início de governo. Ela tem sido defendida pela equipe de Lula, após as revelações a partir de uma reportagem da Folha de que mantém elo político com ao menos três acusados de chefiar milícias no Rio.
Daniela foi nomeada ministra como uma forma de contemplar a União Brasil e ampliar a presença feminina na montagem do governo.
Também foi uma retribuição pelo empenho dela e do marido na campanha do segundo turno em favor do presidente Lula. O casal foi uma das poucas lideranças a apoiar abertamente o petista na Baixada Fluminense —o marido da ministra, Waguinho, é prefeito de Belford Roxo.
Daniela foi reeleita deputada federal como a mais votada no Rio de Janeiro. Como a Folha mostrou em outubro, a campanha dela foi marcada pelo apoio irregular de oficiais da Polícia Militar e pelo ambiente hostil e armado contra adversários políticos de sua base eleitoral.
Nesta sexta-feira, ao mesmo tempo que deu recado aos ministros sobre eventuais investigações, Lula também prometeu uma relação de lealdade.
"Estejam certos que eu estarei apoiando cada um de vocês nos momentos bons e nos momentos ruins. Não deixarei nenhum de vocês no meio da estrada. Não deixarei nenhum de vocês."
Lula também voltou a fazer um discurso dúbio em relação às disputas políticas. Ao mesmo tempo que pregou união, fez duras críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O petista afirmou que o relatório elaborado pela equipe de transição apontou um cenário de país que foi "semidestruído".
O ministro da Secretaria-Geral, Marcio Macedo, disse, nas redes sociais, que o "foco inicial do governo é combater a fome, garantir o acesso à saúde para todos os brasileiros e uma vida digna para o povo", ao publicar uma foto do encontro.
Dentro os pontos discutidos, está a lista de obras inacabadas que o Executivo federal pretende priorizar para acabar.
Além disso, como disse o ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) em vídeo divulgado na véspera, a reunião também tratou das ações prioritárias nos 100 dias de governo.
Como a Folha mostrou, o encontro do primeiro escalão também serviu como momento de alinhar o discurso entre os ministros e o Planalto. Durante a semana, titulares das pastas deram declarações desencontradas com o que pretende o mandatário.
Carlos Lupi, do ministério da Previdência, por exemplo, defendeu a revogar a reforma de aposentadoria. No dia seguinte, Costa teve de desautorizá-lo publicamente, afirmando que o tema nunca havia sido discutido pelo governo e que não está em estudo.
Além disso, Luiz Marinho, do Trabalho, disse que acabaria o saque de aniversário do FGTS. Teve de recuar, depois.
A reunião também ocorre em meio à primeira tensão envolvendo o governo Lula: a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, mantém vínculos com milicianos da Baixada Fluminense.
Em discursos, o governo é crítico à atuação da milícia. O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse ser questão de honra solucionar o assassinato de Marielle Franco.
O crime de 2018 segue sem desfecho e a principal hipótese é de participação da milícia. A irmã da vereadora, Anielle Franco, é hoje ministra da Igualdade Racial de Lula.
Integrantes do governo e aliados relatam desconforto e veem desgaste. Mas dizem, porém, que esse elo não é suficiente para afetar a permanência dela na pasta —como também indicaram nesta dois dos ministros mais próximos do presidente, Rui Costa e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) —eles adotaram um discurso alinhado horas após terem estado com Lula.
Mesmo assim, parlamentares petistas e dirigentes de partidos que compõem a base do governo admitem que esse episódio deve ser usado para elevar a pressão para que a União Brasil deixe de se declarar independente e entregue para Lula a maioria dos seus votos na Câmara e no Senado.
Folha de São Paulo