Lula não tem o que dizer aos trabalhadores
Incapaz de falar o idioma dos trabalhadores do século 21, o ex-líder sindical se ausentou do 1.º de Maio nas ruas e preferiu fazer propaganda demagógica de seu governo na TV
Os tradicionais atos de 1.º de Maio, Dia do Trabalho, contaram com uma ausência ilustre: o presidente Lula da Silva. Sua desistência foi creditada ao desejo de evitar um constrangimento igual ao do ano passado, quando discursou para um punhado de gatos-pingados – uma evidência de que a agenda política da esquerda e do PT, em particular, é tão vazia quanto a minguada plateia reunida naquele constrangedor evento.
Neste ano, como informou o Estadão, auxiliares aconselharam o presidente a não se expor novamente a um eventual fiasco. Enquanto isso, um bocado de trabalhadores compareceu ao ato das centrais sindicais na Praça Campo de Bagatelle, na zona norte de São Paulo. Eles certamente estavam mais interessados em preencher os cupons para concorrer ao sorteio de carros do que para ouvir o que os sindicalistas tinham para lhes dizer.
Não foi a primeira vez que o presidente se ausentou. Ele também não compareceu em 2007 e 2008, no seu segundo governo, e em 2023, primeiro ano do atual mandato. A falta de novidade, contudo, não significa que se trata de algo rotineiro. É, isso sim, uma ausência simbólica que, somada a outros sinais, escancara o tamanho da atual dificuldade de Lula, do governo, do PT e dos sindicatos em falar com os trabalhadores.
Para começo de conversa, a tal “classe trabalhadora” a que Lula e os sindicalistas se referem, como se ainda estivéssemos nos anos 1970, não existe mais. O que há hoje é uma teia complexa de distintos interesses, convicções e aspirações em diferentes categorias, modelos de trabalho e formas de lidar com o mundo e com a política.
Ocorre que o demiurgo petista ainda pensa como o sindicalista que eletrizava operários com seus discursos. Lula sabe – ou deveria saber – que o Brasil não é mais o mesmo daquela época, e que não se aproxima sequer do tempo em que o PT chegou ao poder pela primeira vez, mais de 20 anos atrás. Os trabalhadores também mudaram, fruto das profundas transformações não só nas relações de trabalho – antes baseadas na oposição entre patrões e empregados – como também na visão que os próprios trabalhadores passaram a ter tanto de si quanto dos sindicatos que pretendem representá-los.
Mas Lula acha que basta mobilizar a “classe trabalhadora” para que a mágica aconteça. No fiasco do 1.º de Maio do ano passado, ao se exasperar diante de uma plateia rarefeita, disse que o ato fora “mal convocado”. Na terça-feira passada, ao receber em Brasília líderes de centrais sindicais, cobrou-lhes que “ocupem mais as ruas”. Basta observar a imagem desse encontro para perceber o abismo geracional que há entre os líderes sindicais e os trabalhadores: nenhum deles ali, a começar por Lula, conhece o idioma do trabalho no século 21.
Sem ter o que dizer, o presidente concentrou-se então na agenda palaciana com os sindicalistas e no pronunciamento, na noite de quarta-feira, em rede nacional de rádio e TV. Recorreu ao clássico lulopetista: a demagogia. Defendeu a redução da jornada de trabalho sem redução de salário – ignorando a já baixíssima produtividade no Brasil – e a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais – aquele projeto cuja pretensão é taxar os mais ricos para compensar as perdas. Além disso, fez um inventário dos programas de incentivo a pequenas empresas e de renegociação de dívidas, tudo com estética de programa eleitoral, supervisionado pelo ministro e marqueteiro Sidônio Palmeira. Ali, os brasileiros sorriam – algo que não se reflete nas pesquisas de opinião sobre o governo Lula.
Ante trabalhadores que tocam um dobrado para encontrar a prosperidade, faltam ideias a Lula e seus exegetas para ajudá-los de fato. Se as tivesse, o presidente provavelmente teria estado em cima do palanque. Preferiu um pronunciamento protocolar, bem adequado a uma data convertida tão somente em mais um dia dedicado ao descanso para quem pode.
Editorial Estadão