Saída de Lupi, inevitável, não encerra escândalo
Omissão de ministro ante fraudes no INSS, que dispararam sob Lula, é inquietante para um governo conectado a sindicatos
Em seu pronunciamento para o 1º de Maio, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou rapidamente a versão oficial para o escândalo recém-revelado no INSS —foi seu governo que desmontou o esquema criminoso de desvios do dinheiro de aposentados e pensionistas, que será devolvido, discursou.
Os fatos, porém, são bem mais graves para a administração petista, como mostrou a queda do ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, logo no dia seguinte ao feriado dos trabalhadores.
Ficou evidente a omissão da pasta diante de sinais óbvios de desmandos no Instituto Nacional do Seguro Social, o órgão responsável por pagamentos de benefícios que somam quase R$ 1 trilhão ao ano. Providências só foram tomadas quando a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal deflagraram uma operação contra a fraude.
Já no primeiro ano deste governo, em junho de 2023, o tema foi tratado em reunião do Conselho Nacional de Previdência Social —uma participante relatou o aumento no número de denúncias de irregularidades em acordos com o INSS que permitiam a sindicatos e outras entidades receberem recursos retirados dos benefícios previdenciários.
O alerta não evitou uma disparada dos montantes sob Lula e Lupi. Em 2016, quando Michel Temer (MDB) ocupava o Palácio do Planalto, os descontos ficaram em R$ 413 milhões. No final da gestão de Jair Bolsonaro (PL), em 2022, foram R$ 706 milhões. No ano passado, a cifra subiu a nada menos que R$ 2,6 bilhões.
Auditoria da CGU entrevistou uma amostra de 1.273 beneficiários do INSS, dos quais 97,6% disseram não ter autorizado desconto nenhum. Isso foi entre abril e julho de 2024. Tratando-se de um governo com óbvias conexões sindicais, os dados são particularmente inquietantes.
Era inevitável, pois, a saída de Lupi, presidente do PDT e titular da pasta do Trabalho em administrações petistas anteriores —e que deixou o cargo em 2011 sob suspeita de relações indevidas com ONGs ligadas ao partido. A demissão está longe de encerrar o escândalo, todavia.
Para não melindrar ainda mais o partido aliado, Lula deixou no comando da Previdência Wolney Queiroz, correligionário de Lupi que era o número dois do ministério e participou da fatídica reunião de 2023. Não é obviamente a melhor saída para mostrar disposição de esclarecer a fundo o caso e punir todos os envolvidos.
Com sua reação tardia e hesitante, o governo corre o risco de ver a investigação da fraude nas mãos da oposição, que articula uma comissão de inquérito no Congresso Nacional. A despeito do trabalho meritório da CGU e da PF, será difícil negar a pertinência da atuação parlamentar.
O ressarcimento do dinheiro roubado de aposentados e pensionistas é medida óbvia e urgente. Falta explicar como o esquema de desfaçatez se expandiu sob a guarda de um órgão público e mostrar que ele não se repetirá.
Editorial Folha de São Paulo