Se governo finge não haver crise fiscal, Congresso deve agir
Ninguém aguenta mais imposto. Ou Executivo e Legislativo cortam gastos, ou então país caminhará para o caos
Diante da inércia do Executivo em tomar as medidas necessárias para ajustar as contas públicas, o presidente da Câmara, Hugo Motta, afirmou ter passado da hora de discutir cortes em despesas obrigatórias: “O Brasil caminha para a ingovernabilidade completa para quem quer que venha a ser presidente”. Ele tem razão. E faria bem em se adiantar. A questão não diz respeito só ao Executivo, mas também à Câmara e ao Senado. Todo mundo está cansado de saber as medidas necessárias para conter a explosão da dívida — e, definitivamente, aumentar impostos não está entre elas.
O pacote frustrante ensaiado pelo governo é mais uma ofensa ao brasileiro. Depois de muito suspense, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu com os presidentes da Câmara, do Senado e líderes partidários para discutir alternativas à alta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) rechaçada pela classe política e pelo setor produtivo. O próprio Haddad falara em medidas de longo prazo. O que se viu foi a enganação de sempre: o avanço sobre o contribuinte para tapar o rombo de um governo perdulário.
Pela Medida Provisória editada ontem, o governo volta atrás na alta do IOF em algumas operações e muda regras ou alíquotas noutras. Ainda tenta compensar a perda de arrecadação aumentando a taxação sobre as bets (de 12% para 18%) — além da insegurança jurídica, isso empurra empresas de apostas à ilegalidade, depois de todo o esforço pela regulamentação. Por fim, aumenta a contribuição sobre lucros, unifica a alíquota de Imposto de Renda sobre aplicações financeiras e acaba com a isenção para títulos como LCIs e LCAs — medida com impacto nos dois setores, ensejando aumento no preço de alimentos e construção civil.
Ninguém aguenta mais a voracidade sobre o bolso do brasileiro para compensar a inépcia e a gastança do setor público. Ou o governo entende que precisa cortar gastos, ou a situação só piorará. Motta deixou claro que o Congresso não tem compromisso em aprovar um pacote que desagrade a todos. Até União Brasil e Progressistas, partidos com cargos no Planalto, são contra. Um alvo óbvio dos cortes são as emendas parlamentares, uma das distorções mais escandalosas do Orçamento, foco de desperdício e corrupção.
Já que o Executivo continua fingindo que não há crise fiscal, o Congresso tem o dever de conter a explosão inexorável das despesas. Se a intenção é buscar uma trajetória sustentável para a dívida pública, é fundamental desvincular do salário mínimo o reajuste de aposentadorias e benefícios previdenciários. Não adianta se iludir. Sem isso, o rombo só crescerá. Outra medida necessária é acabar com a vinculação das despesas de saúde e educação à arrecadação, restaurada pelo arcabouço fiscal. Sem isso, as despesas obrigatórias consumirão espaço cada vez maior no Orçamento. E o caos será inevitável.
O governo deveria saber que qualquer nova taxação afugenta investimentos, pressiona a inflação, os juros e contribui para puxar o freio da economia. Em dois anos e meio de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deu sinais de que esteja preocupado com o ajuste fiscal. Tudo o que faz é lançar programas populistas sem respaldo no Orçamento. Mais uma razão para que o Congresso assuma suas responsabilidades. Executivo e Legislativo precisam enfrentar as questões estruturais e cortar despesas. Ninguém tolera mais aumento de imposto.
Opinião d'O Globo