Lula parte para a briga com o Congresso
Governo vai ao STF para restabelecer o decreto do IOF, derrubado pelo Congresso, e contrata uma perigosa crise. O País não precisa disso, e sim de um debate adulto sobre o Orçamento
Depois de muito ensaiar, o governo Lula da Silva decidiu apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF) para restabelecer o decreto do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), derrubado pelo Congresso na semana passada. Muito mais que uma questão fiscal, a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) mostra que o Executivo desistiu de tentar apaziguar os ânimos com o Legislativo e evidencia a antecipação da disputa eleitoral de 2026.
A exemplo do que tem feito no caso das emendas parlamentares, que também estão no STF, o governo poderia fazer jogo duplo no caso do IOF. O PSOL entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o decreto legislativo aprovado pelo Congresso, deixando o Executivo na confortável posição de aguardar a decisão do Supremo sem ter de sujar as mãos.
O pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), no entanto, adiciona tensão a um conflito que não faz bem ao País. Assinada pelo próprio presidente da República, a petição argumenta que não foi o governo quem extrapolou suas funções ao elevar as alíquotas do IOF e que foi o Congresso que avançou sobre a prerrogativa do Executivo de alterá-las. Para isso, cita a Constituição, que define, em seu artigo 153, a competência da União de instituir impostos sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários de acordo com os limites fixados em lei.
A AGU também rejeitou a justificativa do Congresso para aprovar o decreto legislativo, segundo o qual o aumento do IOF tinha mera intenção arrecadatória. Embora o Ministério da Fazenda não tenha escondido a intenção de obter até R$ 20 bilhões com o IOF neste ano, os técnicos tiveram a perspicácia de citar expressamente, na exposição de motivos do decreto, a necessidade de trazer mais eficiência ao mercado de crédito e harmonizar o tratamento para operações de câmbio e investimento. “Inquestionável, portanto, a presença de uma lógica extrafiscal na edição desse ato pelo presidente da República”, diz a petição.
A AGU enfrentou até o conceito de extrafiscalidade ao enfatizar que ele não está na Constituição; logo, não pode servir de parâmetro objetivo para a validade de leis e atos normativos. “O fato de as alterações das alíquotas impactarem positivamente as estimativas de receitas não denota desvio de finalidade, tampouco contamina a constitucionalidade do decreto presidencial”, afirma a AGU.
Independentemente da decisão que o STF tomar, é importante lembrar a origem desse imbróglio. O governo editou o decreto que aumentou o IOF após ter admitido, na revisão bimestral do Orçamento, em maio, que não poderia contar com a arrecadação que havia previsto na proposta que enviou ao Congresso.
Esse reconhecimento tardio só veio após o Tribunal de Contas da União (TCU) deixar claro que não mais aceitaria o uso de projeções fantasiosas pelo governo para evitar o anúncio de contingenciamentos. O melhor exemplo dessa artimanha foi o fato de o Executivo ter encerrado o ano passado com uma arrecadação de R$ 307 milhões com os julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), depois de alardear uma estimativa de R$ 54,7 bilhões – nada mais.
Perdas como essa, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), só poderiam ser cobertas com novas receitas, e não com corte de gastos, como o Executivo e o Congresso fingem que querem fazer. Sem o decreto do IOF, que teria efeito imediato, e tendo em vista a resistência que o Legislativo tem para avalizar o aumento de outros impostos, a alternativa a novas fontes de arrecadação é a mudança da meta fiscal, uma derrota que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não pretende assimilar.
Metas inatingíveis, como é o caso do déficit zero, são a consequência do arcabouço fiscal, enviado pelo Executivo e aprovado pelo Legislativo. A despeito do impulso gerado pelo crescimento econômico, o avanço das receitas não tem conseguido acompanhar o ritmo das despesas. Constitucional ou não, o decreto do IOF é apenas uma pequena parte de um problema maior: o desequilíbrio orçamentário estrutural que o País terá de enfrentar em breve e que Executivo, Legislativo e Judiciário fingem não enxergar.
Opinião do Estadão