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economia

Aumento do IOF, posição do Congresso e realidade dos 'tributos regulatórios' no sistema brasileiro

Por André Elali

A Advocacia-Geral da União instaurou no STF ação declaratória de constitucionalidade visando à manutenção do Decreto Federal nº 12,499, de 11 de junho de 2025, que majorou alíquotas do IOF, bem como a declaração de inconstitucionalidade do Decreto Legislativo nº 176/2025, por suposta “violação aos princípios da separação dos poderes” e da “legalidade tributária”.

O mencionado decreto legislativo sustou o decreto presidencial sob o argumento de que o IOF não poderia ser majorado da forma realizada pelo presidente da República. O tema central da ação, portanto, versa sobre o eventual controle do Congresso quanto à competência tributária do mencionado imposto.

Afinal, o aumento do IOF pode ser controlado pelo Congresso? De fato, a justificativa do decreto presidencial é adequada dentro do regime jurídico do IOF? O aumento do IOF visa, realmente, à neutralidade tributária? Pretende-se, aqui, responder a tais questionamentos.

Limites da tributação legítima e exceções ao sistema: regime do IOF

Primeiramente, há de se pontuar que o sistema [1] tributário brasileiro incorporou certos limites formais e materiais ao que se denomina de “poder de tributar”. Essa incorporação de valores [2] de uma tributação justa e legítima é consequência de conquistas históricas da sociedade, positivando-se mecanismos de controle do Estado Fiscal, como, dentre outros, a legalidade, a igualdade, a anterioridade, a capacidade contributiva, a vedação ao confisco, ora apontados como regras, ora como princípios, ora como postulados [3].

A noção geral do sistema [4], acompanhando historicamente a legitimação da tributação, é de que todo e qualquer tributo, para ser criado ou majorado, se sujeita aos ditos limites ao poder de tributar (especialmente legalidade e anterioridade). Essa estrutura permite que o agente econômico (em outras palavras, o contribuinte) tenha conhecimento das “regras do jogo” antes de praticar certos comportamentos no mercado. Permite-se, ainda, estabilidade e previsibilidade da tributação, elementos de um verdadeiro Estado de Direito.

Entretanto, o sistema tributário foi estruturado para permitir que certos tributos sejam excepcionados de tais limites gerais. E isso porque, em certas situações, o Estado é chamado a regular falhas de mecanismos de mercado, que não poderiam ser corrigidas posteriormente.

Assim, o constituinte, partindo da premissa de que há tributos que têm maior — e mais urgente — função regulatória, excepcionou 4 impostos de competência da União Federal, permitindo que sejam estes alterados por decreto do presidente. São eles o IPI, o II, o IE e o IOF, todos previstos na Constituição com esse regime “especial” [5].

Complexa relação entre tributação e regulação econômica (ou ‘extrafiscalidade’)

A relação entre tributação e regulação do mercado é complexa e envolve certos limites e preceitos fundamentais. Um deles é o de que a tributação pode regular a economia, desde que através de normas de indução, nunca de direção. Outro preceito é de que, quando o tributo assume caráter de regulação, estar-se-á diante de intervenção do Estado, dentro dos elementos próprios da Constituição Econômica [6].

Destaca-se a obra clássica de Luís Eduardo Schoueri (Normas Tributárias Indutoras e Intervencão Econômica), quem melhor desenvolveu o conceito e o regime jurídico respectivo. Nesse sentido, o Estado tanto pode impor comportamentos quanto estimulá-los, tornando-se possível um entendimento quanto à diferença da intervenção por indução e por direção. Esta pode ser explicada a partir do exemplo concreto do controle de preços, pois a norma de direção vincula a determinada hipótese com único consequente.

Havendo desrespeito à norma diretiva, deve haver a aplicação de sanções negativas. O agente econômico, portanto, fica obrigado ao comportamento previsto na norma. Já a norma indutora é diversa, eis que é verdadeira norma dispositiva, pois o agente não se vê sem alternativas, podendo, ao contrário, receber sanções premiais. Como acentua Schoueri, “recebe ele estímulos e desestímulos que, atuando no campo de sua formação de vontade, levam-no a se decidir pelo caminho proposto pelo legislador”, assegurando-se ao agente a “possibilidade de adotar comportamento diverso, sem que por isso recaia no ilícito” [7].

Dessa forma, a extrafiscalidade pode ser concretizada através das chamadas normas tributárias indutoras, por meio de incentivos ou agravamentos tributários, os primeiros por intermédio de medidas como isenções e reduções tributárias, atribuição de créditos tributários, de regimes especiais e/ou preferenciais, dentre outras [8].

Entende-se, aqui, que o que importa é a expressão do benefício/custo tanto para os agentes econômicos como para as finanças públicas. Concorda-se, pois, com a afirmação no sentido de que a “roupagem ‘fiscal’ ou não das medidas é, no plano dos fins, relativamente secundária” [9], sendo o ponto fundamental a identificação da sua expressão econômica e financeira e a sua eficiência para o sistema econômico.

Em outras palavras, receita e despesa são duas facetas de um mesmo objeto, impondo-se que haja um controle rigoroso na concessão de qualquer das formas de auxílio estatal e de agravamentos fiscais, seja porque se está falando de recursos públicos, seja porque não se pode afastar da busca da eficiência econômica que deve gerir as políticas públicas — voltadas sempre à concretização da ordem econômica. As funções fiscal e extrafiscal são facetas da mesma moeda e, como tais, devem ser examinadas conjuntamente, tanto na ótica da igualdade tributária, como da concorrência e das finanças públicas.

IOF e ‘extrafiscalidade’

O presidente da República, para majorar os impostos excepcionados pelas regras gerais, há de respeitar as condições da lei. E aqui, tem-se tanto as leis que instituíram tais impostos, como a Lei Complementar (Código Tributário Nacional). A instituição do IOF se deu pela Lei nº 5.143, de 1966. E o Código Tributário Nacional especifica os detalhes da regra-matriz de incidência do imposto federal (artigos 63 e 64) e, no artigo 65, estatui que:

“Art. 65. O Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do impôsto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política monetária.”

Logo, o IOF pode ser majorado pelo Presidente da República, “nas condições e nos limites estabelecidos em lei”, e desde que “a fim de ajustá-lo aos objetivos da política monetária”. Nesse sentido, o conceito de política monetária está abrangido pelo que se denomina de “extrafiscalidade”, pois, servindo para regular falhas de mecanismos de mercado, o imposto deve induzir os agentes econômicos a comportamentos desejáveis para determinado lapso temporal e especificamente para corrigir tais falhas.

Ou seja, a exceção à legalidade e à anterioridade do IOF se justifica para o Estado atuar imediatamente em valores tutelados pelo interesse nacional. Sendo a política monetária um objetivo de estabilidade da moeda, de equilíbrio do funcionamento do próprio mercado, é evidente que aumentos de IOF devem corrigir eventuais distorções momentâneas do sistema econômico.

Por outro lado, sendo a hipótese de ser o aumento de impostos para majoração de arrecadação, não haveria razão de ser das exceções às limitações gerais ao poder de tributar, isto é, a motivação do aumento do IOF há de estar, evidentemente, conectado com o controle de falhas do sistema econômico. Pode até gerar receitas tributárias — o que é lógico e racional de qualquer tributo, mas não pode ser a motivação de um aumento que se excepciona da anterioridade e da típica legalidade tributária.

Eros Grau indica, com propriedade, que sistema econômico é o conjunto coerente de instituições jurídicas e sociais, de conformidade com as quais se realiza o modo de produção e a forma de repartição do produto econômico na sociedade [10]. O sistema econômico, portanto, descreve a parte do comportamento humano que trata da produção, da troca e do consumo de riquezas, constituindo-se em um subsistema que trata das ações econômicas e das interações sociais [11].

O IOF, como exceção aos limites gerais da tributação, serve para intervir economicamente, podendo gerar receitas, mas mantendo sua função notadamente regulatória. Logo, se o IOF é aumentado para corrigir problemas de receitas tributárias, estar-se-á diante de desvio de finalidade, porquanto a justificativa constitucional de seu aumento imediato é a regulação do mercado, da política monetária e de seus reflexos no sistema econômico.

Reitere-se que a intervenção com o IOF é mecanismo de regulação econômica, ou seja, uma política econômica para controlar certas situações do mercado [12]. E falando-se em regulação do mercado, tem-se como resultado a necessária vinculação do aumento do imposto com uma falha de mecanismos de mercado objetiva! Ora, se o próprio ministro da Economia afirmou, publicamente, que o aumento do IOF visava a “diminuir a evasão” e melhorar a “desigualdade”, de modo genérico, como se torna possível apontar a falha de mercado que foi objeto do ato presidencial???

Conclusões
Todo tributo tem função fiscal e pode ser usado para regular o mercado. Alguns tributos têm maior função regulatória. A exceção constitucional para o aumento do IOF envolve a necessidade de se apontar uma falha de mecanismos de mercado objetivamente, que esteja vinculada a uma questão de política monetária. Aumentar o IOF com um argumento genérico e vago é violar o seu regime jurídico, pois os limites ao poder de tributar foram excepcionados para permitir um Estado Regulador eficiente e eficaz. Aumentar o IOF de qualquer modo, com discursos abstratos, é um ato de abuso contra a legitimação da tributação.

Finalmente, responde-se que: afinal, o aumento do IOF pode ser controlado pelo Congresso? Obviamente que sim, especialmente diante do desvio de finalidade do aumento do imposto, que não se motivou por questões de política monetária, mas para suprir distorções orçamentárias em face da alta despesa pública do governo federal. O aumento do IOF está submetido aos limites da lei, inclusive da Lei Complementar (CTN).

Mais: a justificativa do decreto presidencial é adequada dentro do regime jurídico do IOF? Não, simplesmente porque toda a estrutura de limitação ao poder de tributar não pode ser desprezada diante de argumentos excessivamente panfletários. O fato de o IOF gerar receitas — métrica de qualquer tributo — não justifica o seu uso desmedido porque a sua configuração constitucional — e legal — envolve uma função regulatória, corretiva, que somente restará legitimada com a motivação adequada.

O aumento do IOF visa, realmente, à neutralidade tributária? Da forma da justificativa atual, não. A neutralidade tributária não pode servir de argumento abstrato para o aumento de tributos, especialmente dos tributos excepcionados pelos limites gerais. A neutralidade tributária, para não ser mera ficção mental, há de ser implementada com a igualdade da tributação, com o respeito à legalidade e com apego à capacidade contributiva.

Falar em neutralidade tributária exige técnica e esta envolve o tema com a igualdade. Aumentar um tributo para aumentar receitas não implementará e a neutralidade, até porque gerará mais custos de transação que não foram sequer examinados previamente. Tecnicamente, o aumento do IOF, da forma exposta, é inconstitucional e ilegal.

[1] Cf. Claus Wilhelm Canaris. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 3. ed.  Tradução: A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 9.

[2] Cf., especialmente, Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

[3] Cf. Humberto Ávila. Teoria dos Princípios. 22. ed. Salvador: JusPodium, 2025.

[4] Cf. Klaus Tipke; Joachim Lang. Direito Tributário (Steurrecht). Vol. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008. Tradução: Luiz Dória Furquim.

[5] Dispõe a Constituição Federal: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros; II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III – renda e proventos de qualquer natureza; IV – produtos industrializados;  V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI – propriedade territorial rural; VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar; VIII – produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023). § 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.”

[6] Cf. Gaspar Ariño Ortiz. Principios de Derecho Público Económico – Modelo de Estado, Gestión Pública, Regulación Económica. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003, p. 17 e ss; André Ramos Tavares. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 74 e ss.

[7] Cf. Luís Eduardo Schoueri. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica, p. 59.

[8] Cf. Diogo Leite de Campos; Mônica Horta Neves Campos. Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 39.

[9] Cf. António Carlos dos Santos. Auxílios de Estado e Fiscalidade, p. 506.

[10] Cf. Eros Roberto Grau. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 176.

[11] Cf. Heinz Robert Heller. O Sistema Econômico – Uma Introdução à Teoria Econômica, p. 28.

[12] Cf. Richard Posner. Teorias da Regulação Econômica. In: Regulação Econômica e Democracia – O Debate Norte-Americano. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 50.

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