A adolescente de 15 anos apreendida por suspeita de envolvimento no planejamento das mortes dos pais e do irmão de um namorado virtual, de 14, executados a tiros pelo próprio garoto, no dia 21 de junho, em Itaperuna, no Noroeste Fluminense, foi ouvida oito dias após o crime na Delegacia de Polícia de Água Boa, a mais de 700 quilômetros de distância de Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso. Filha de uma família de classe média e considerada uma ótima aluna na cidade, ela prestou depoimento abraçada a um ursinho de pelúcia, que pegou numa sala especial da unidade.
Descrita por quem a conhece como uma menina de perfil tímido e introvertido, a caçula de três irmãs foi ouvida na presença da mãe. Esta última se surpreendeu ao descobrir pela polícia o que havia acontecido.
— Foi preciso mostrar a parte das conversas (feitas por um notebook) para que ela acreditasse no que a filha tinha feito. Inclusive repetia todo momento que ela era uma ótima filha e que jamais faria isso — contou um policial da unidade.
Moradora de Água Boa, cidade de 35 mil habitantes, a menina não negou o crime e nem chorou durante o depoimento. Com um comportamento frio, ela alegou ter sido coagida pelo namorado, o que, por conta das provas colhidas até agora, não convenceu à polícia.
Notebook passará por perícia
Em entrevista coletiva, o delegado Carlos Augusto Guimarães Silva, da 143ª DP (Itaperuna), responsável pela investigação do triplo assassinato, contou que a polícia de Mato Grosso apreendeu o notebook por onde o casal se comunicava. O equipamento, que teria sido usado durante o planejamento e até a execução do crime, passará por uma perícia no Rio de Janeiro. A polícia vai verificar, entre outras coisas, se a jovem teria usado um segundo possível perfil conversas do mesmo tipo com outro adolescente ou com outras pessoas.
Segundo a Polícia Civil, o triplo homicídio — contra o pai, a mãe e o irmão caçula do adolescente, de apenas 3 anos — foi meticulosamente planejado ao longo de meses. De acordo com as investigações, o garoto de 14 anos executou os assassinatos a tiros , enquanto as vítimas dormiam. Depois, tentou simular o desaparecimento da família. Os corpos foram encontrados dias depois dentro de uma cisterna no quintal de casa, após a polícia identificar contradições no depoimento do menor.
Participação ativa em planejamento de mortes
De acordo com o delegado Carlos Augusto, a adolescente, que mora em Água Boa (MT), teve participação ativa no plano. Em diálogos por meio das redes sociais, obtidos pela polícia, ela e o namorado virtual discutiram qual seria a melhor forma dos assassinatos, se usariam arma de fogo ou faca, como esconderiam os corpos e até estratégias para evitar a identificação pelos investigadores, revelou o delegado.
— A gente viu mensagens sobre picar os corpos, queimar ou até dar para porcos. Um total desprezo pela vida humana — disse Guimarães.
O delegado contou que o casal mantinha contato virtual havia cerca de seis anos, mas o relacionamento se intensificou no último ano. Disse ainda que os pais do adolescente não aprovavam a relação, e a distância entre eles era motivo frequente de conflito.
Em conversas resgatadas dos notebooks usados pelo casal, a jovem faz chantagens emocionais, ameaça de terminar o namoro e pressiona o adolescente a “ser homem” e cometer os crimes para que pudessem ficar juntos, segundo o delegado.
— Inicialmente, o relacionamento era impedido pelos pais. Isso gerou frustração. A adolescente impôs um ultimato ao garoto e dizia que só continuaria com ele se se encontrassem pessoalmente. Ela cobrava a execução como prova de amor. É um caso em que não houve arrependimento de nenhuma das partes — afirmou Guimarães.
Ele disse ainda que após cometer os assassinatos, o adolescente enviou à namorada uma foto dos corpos. Ela, segundo a polícia, reclamou da demora para receber a imagem e queria detalhes do crime. Em depoimento, a jovem — descrita como boa aluna e tímida — disse ter sido coagida pelo namorado. Mas para os investigadores, os registros contradizem essa versão.
— Ela planejou, instigou e pressionou — afirmou o delegado.
Influência de jogo virtual
O caso também chamou atenção pela possível influência de um jogo virtual de terror psicológico, citado pelo próprio casal nas mensagens. Segundo o delegado, o enredo da história é centrado em dois irmãos com relação incestuosa que assassinam os próprios pais. O conteúdo, já banido na Austrália, teria influenciado o casal.
As vítimas foram mortas com disparos na cabeça. De acordo com a perícia, os pais haviam tomado remédio para dormir, o que pode ter facilitado a ação do menor. A arma do crime, que era do pai, foi escondida posteriormente na casa da avó, que alegou não saber do ocorrido. Não há indícios de envolvimento dela.
Quatro dias após o crime, o adolescente foi à delegacia com a avó para registrar o suposto desaparecimento da família, alegando que teriam saído às pressas com o filho mais novo após um engasgamento com vidro. A versão logo foi descartada pela polícia, que localizou sangue na casa e os corpos na cisterna.
A adolescente foi apreendida no interior do Mato Grosso e não teria demonstrado arrependimento. Em depoimento, estava abraçada a um ursinho de pelúcia. Segundo a polícia, os dois adolescentes devem responder por ato infracional análogo a homicídio triplamente qualificado. O inquérito será encaminhado ao Ministério Público.
O Globo