Das mulheres, Lula só quer os votos
Petista troca seis por meia dúzia no Ministério das Mulheres, não para melhorar as políticas públicas, mas para fingir que se preocupa com as eleitoras, descontentes com seu governo
Bastaram poucas horas da segunda-feira para o presidente Lula da Silva anunciar a troca de comando do Ministério das Mulheres e, ato contínuo, dar posse à assistente social e ex-ministra do Desenvolvimento Social Márcia Lopes, em substituição a Cida Gonçalves. A aparente rapidez, no entanto, esconde o que já se tornou hábito neste governo: ministros empurrados para a fritura pública por longo tempo até a consumação de sua saída. A demissão de Cida Gonçalves já era dada como certa desde o começo do ano, quando ela se viu engolfada por denúncias de ex-servidoras da pasta por suposta prática de assédio moral. Na lista de prováveis motivos, fontes do governo disseminaram também a ideia de uma suposta insatisfação do presidente com os resultados apresentados por sua gestão e seu impacto na popularidade do governo. Para a ministra demitida, contudo, nada disso explica a mudança. “Não é uma troca por incompetência, por assédio, por rixa. É uma troca de rumo, de momentos”, afirmou.
Eis o ponto: ninguém sabe oficialmente as razões que levaram Lula a promover a mudança. Enquanto o Palácio do Planalto não informou explicitamente os motivos – e a ministra demitida só soube explicar o que supostamente não foi razão para a demissão –, sabujos do presidente não hesitaram em difundir na imprensa, sob anonimato, a preocupação do chefe com a necessidade de aproximar seu governo do eleitorado feminino, ou um alegado incômodo com o que alguns classificaram de incompetência da ministra na gestão. Ou seja, assim como ocorreu com Nísia Trindade, demitida da Saúde, Cida Gonçalves, incompetente ou não, pode ser vista como o bode expiatório da vez, escolhida por um presidente habituado a jogar suas falhas em ombros alheios. Pesquisas mostram queda contínua de sua popularidade entre as mulheres.
“O presidente quer ver as mulheres mais contentes, mais protegidas. Quer que elas se sintam respeitadas, acolhidas, ouvidas”, disse Márcia Lopes ao tomar posse. O esforço da platitude destinada a proteger Lula é comovente, mas, dado o histórico do chefe, debalde. O fato é que não se sabe até aqui o que seria, para o presidente, uma gestão genuinamente competente do Ministério das Mulheres, capaz de fazer a diferença para o governo e, sobretudo, para a população feminina. Fizesse ou não o desejável, Cida Gonçalves não conseguiria satisfazer o que dela se esperava – porque, afinal, nem o próprio Lula saberia dizer o que dela esperar, exceto que soubesse fazer marquetagem de si mesma e do governo.
Para que não haja dúvidas: para Lula, o Ministério das Mulheres não passa de um simulacro, para encenar que alguma coisa está sendo feita em nome das mulheres. Lógica similar se deu com a Igualdade Racial de Anielle Franco, os Povos Indígenas de Sonia Guajajara, a Cultura de Margareth Menezes e mesmo o Meio Ambiente de Marina Silva. Na prática, Lula tem pouco a dizer sobre políticas públicas nessas áreas. Ou, do contrário, não daria a essas pastas o orçamento minguado de que dispõem. Com Cida Gonçalves ou Márcia Lopes, portanto, não há ideia genial ou revolucionária para o bem-estar e a cidadania das mulheres que sobreviva à falta de recursos do ministério para executá-la.
E assim se fez a 12.ª troca no primeiro escalão do atual mandato. Houve saídas para acomodar aliados (como Ana Moser e Daniela Carneiro), outras para tirar da ribalta ministros envolvidos com malfeitos (Juscelino Filho e Carlos Lupi) e mais algumas sob o argumento da incompetência e da falta de visibilidade (Nísia Trindade, Paulo Pimenta e Cida Gonçalves). A esta altura são inúteis expectativas sobre uma prometida reforma ministerial, em geral concebida para redistribuir cargos e orçamentos, adquirir musculatura política para aprovar agendas prioritárias ou preparar a coalizão para a próxima eleição. Estando onde estão – uma gestão impopular, um Ministério de baixa competência e poucos recursos, e sob um presidente sem ideias novas a apresentar ao País –, as trocas ministeriais se resumem a substituições de baixa eficácia ou a busca por um impreciso novo “rumo”, para usar a expressão da ministra demitida. Novo rumo só possível, convém dizer, se a tal reforma começasse pelo próprio condutor das mudanças em seu Ministério.
Editorial Estadão