Os debates entre os quatro candidatos à presidência do PT têm escancarado não apenas as divergências em relação à política econômica do governo como também o medo de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não seja reeleito, em 2026, se não mudar os rumos de sua gestão. As críticas mais fortes são direcionadas à “complacência” com o Centrão, à meta de déficit zero e ao presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.
Com exceção do ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva – nome preferido por Lula para comandar o PT e favorito na disputa –, todos os outros concorrentes atacam decisões tomadas pelo governo, pregam alianças à esquerda para 2026 e defendem até a demissão de ministros, como José Múcio, titular da Defesa.
“Ou o governo muda ou o povo muda de governo”, resumiu o secretário de Relações Internacionais do PT, Romênio Pereira. “O presidente Lula precisa rapidamente dialogar com a população mais pobre deste País e, infelizmente, não está fazendo (isso)”, completou o candidato à presidência do partido pela corrente Movimento PT ao participar, na semana passada, de debate no Rio de Janeiro.
A eleição que vai escolher a nova cúpula do PT, com voto dos filiados, está marcada para 6 de julho. Diante de uma plateia formada por militantes de várias tendências, Romênio afirmou não ser possível pedir para a base petista ir às ruas defender um governo dominado por ministros de direita.
“E não podemos ter um presidente do Banco Central que coloca a maior taxa de juros que esse País já viu”, prosseguiu o dirigente, justamente na véspera de o BC elevar a taxa Selic para 15%. “A política de juros do nosso governo, me desculpe, está pior do que a política do Campos Neto”.
Valter Pomar, candidato da Articulação de Esquerda, foi no mesmo tom e pregou uma mobilização contra o Banco Central. “Galípolo não é amigo. É inimigo”, afirmou.
Tanto Pomar como Romênio disseram que o presidente da Câmara, Hugo Motta – filiado ao Republicanos, partido do Centrão –, age para sabotar o governo Lula. Na avaliação dos dois dirigentes do PT, Motta é uma espécie de teleguiado dos ex-presidentes da Câmara Arthur Lira e Eduardo Cunha.
“As coisas caminham na direção de Tarcísio (de Freitas), um fascista com pinta de tecnocrata. E as pesquisas vão registrando nosso desgaste. Nada irreversível. Mas, se mantivermos a política atual, seremos derrotados ou na melhor das hipóteses teremos uma vitória de Pirro em 2026″, escreveu Pomar, um dia depois do debate, em seu blog.
O deputado Rui Falcão (SP) destacou, por sua vez, que Lula deveria ter ido à televisão defender as mudanças no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Para ele, o presidente e o partido precisam ter coragem de combater o “senso comum”, segundo o qual o governo só quer aumentar impostos. Falcão também condenou o fato de o PT somente discutir estratégias de dois em dois anos, em época de eleição.
“Um partido eleitoral aos poucos vai sendo consumido, vira puxadinho do governo, perde sua identidade e fenece, como aconteceu com o PSDB e vários partidos da social-democracia européia”, argumentou o deputado, que já foi presidente do PT e disputa o cargo com o apoio de várias alas da esquerda, como a Democracia Socialista.
Ao cobrar uma guinada no PT, Falcão provocou a atual direção: disse que não se pode mascarar o resultado das eleições municipais do ano passado, quando os petistas conquistaram 252 prefeituras.
“Nós perdemos as eleições, ainda que o projeto Poliana diga o seguinte: ’Nós ganhamos porque fizemos maioria somando os nossos aliados em relação aos bolsonaristas’. Isso é uma ilusão”, alfinetou.
Alvo de todos os colegas e amigo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Edinho afirmou que o PT precisa ter “sabedoria política” para entender a sociedade de hoje e defender o governo.
Ex-ministro na gestão de Dilma Rousseff e ex-coordenador da campanha de Lula, em 2022, Edinho passou meses sendo criticado por integrantes de sua própria corrente, a Construindo um Novo Brasil (CNB), mas ganhou um respiro quando aceitou manter manter a tesouraria do partido com o mesmo grupo, em caso de vitória.
No debate do Rio, Edinho observou que o PT vem “perdendo ideologicamente” os jovens eleitores da periferia.
“A juventude está indo para as igrejas evangélicas, pentecostais”, constatou o ex-prefeito de Araraquara. “A religião evangélica será majoritária no Brasil. E, se o PT não for capaz de estar na base dialogando – inclusive com as comunidades evangélicas –, nós vamos discursar para um País que não existe”, concluiu.
Estadão