Lewandowski usa caso Marielle para tentar mudar imagem da Justiça após crise em Mossoró

28/03/2024 às 05:31


Dois meses após assumir o cargo, o ministro Ricardo Lewandowski (Justiça) aposta no caso Marielle Franco para tentar reduzir os desgastes do governo na área de segurança pública e reverter o impacto negativo da fuga inédita de dois presos do sistema penitenciário federal, logo em sua largada na função. Aprisão efetuada pela Polícia Federal dos mandantes dos assassinatos da vereadora e do motorista Anderson Gomes, no último domingo, é visto como chance de virada de página, no momento em que outro eixo, a atuação em Mossoró (RN), passará por uma mudança de estratégia. A presença da Força Nacional, que expira amanhã, não deverá ser renovada, e a tendência é que a operação de recaptura saia de uma fase ostensiva para uma etapa mais focada em ações de inteligência.

A segurança pública, assunto que rende fôlego ao bolsonarismo, tem ocupado boa parte da agenda de Lewandowski. Na última semana, foram duas entrevistas coletivas sobre o caso Marielle — a mais recente no domingo, quando deu detalhes das três prisões e leu trechos do relatório da PF. No dia seguinte, foi a Maceió inaugurar um centro integrado de segurança e participar de uma reunião com autoridades locais, enquanto na terça-feira, já de volta a Brasília, recebeu governadores do Sul e Sudeste e ouviu propostas para endurecer punições contra criminosos. Também em iniciativa direcionada aos estados, pretende intensificar encontros para tratar da alocação de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública.

Dados de uma pesquisa Quaest divulgada em novembro do ano passado, quando a pasta de Justiça era comandada por Flávio Dino, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), mostrou uma piora na percepção de violência do brasileiro no primeiro ano da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para 79% dos entrevistados, a violência no país aumentou. Houve empate na avaliação do trabalho do presidente na segurança pública em relação ao antecessor, Jair Bolsonaro (43% acham que é melhor e 43%, pior).

CRÍTICAS INTERNAS
A apresentação dos supostos mandantes do caso Marielle deu um respiro ao governo. Logo após dar as explicações públicas, Lewandowski conversou com Lula e, segundo interlocutores do ministro, ouviu elogios sobre a elucidação do caso. O tema é caro ao governo federal, tendo em vista que Anielle Franco, irmã de Marielle, é ministra da Igualdade Racial. O deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) e o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) Domingos Brazão foram presos sob suspeita de terem contratado Ronnie Lessa para fazer os disparos, enquanto o ex-chefe da Polícia Civil Rivaldo Barbosa, também detido, supostamente atuou para acobertá-los.

Dentro da pasta, Lewandowski também tem buscado reforçar laços com o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues. Como O GLOBO mostrou, a PF deve abrir novas frentes de investigação e apurar outros crimes que são citados no inquérito do caso Marielle e ficaram sem solução nos últimos anos no Rio. O ministro também determinou aos secretários de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, e de Políticas Penais, André Garcia, que elaborem políticas públicas para a área, em busca de uma marca.

— Estou aqui hoje como ministro da Justiça e Segurança Pública trazendo um recado do presidente Lula, que nos disse que o combate à criminalidade é uma das prioridades do governo — afirmou Lewandowski na passagem por Maceió.

Os planos vêm em paralelo a um momento crítico. No dia 14 de fevereiro, dois presos ligados ao Comando Vermelho escaparam da penitenciária federal de Mossoró, na primeira vez em que isso ocorreu no sistema carcerário gerido pela União. A operação de busca já dura um mês e meio, recheada de tentativas malsucedidas de encontrá-los, ainda que uma equipe em torno de 500 agentes esteja à disposição. Diante do quadro, a atuação da Força Nacional deve ficar para trás, com redução da presença em campo e redirecionamento para ações de inteligência, com monitoramento e uso de tecnologia.

O campo minado de uma pasta com um leque extenso de atribuições também passa por integrantes da gestão anterior. Reservadamente, ex-auxiliares de Dino têm feito críticas à condução do ministério. Este grupo vê um “cavalo de pau” nas ações de segurança pública que vinham sendo tocadas no ministério e diz que não há continuidade do trabalho feito pela composição anterior do ministério. Uma das queixas trata do aplicativo Celular Seguro, que impede o uso do aparelho em caso de furto, roubo ou perda. A atual gestão nega e afirma e que já recebeu o Google para melhorar o funcionamento do sistema.

Outra reclamação feita nos bastidores é que não teria ocorrido transição entre as equipes e que a fuga de Mossoró ocorreu enquanto a Secretaria Nacional de Polícias Penais estava sem comando. A área é considerada uma das mais sensíveis do ministério por gerenciar as cinco penitenciárias federais do país, que abrigam criminosos perigosos.

A atribuição dos méritos do desfecho do caso Marielle à gestão Lewandowski também é contestada por antigos integrantes do time de Dino, que alegam que no final do ano passado a cúpula do Ministério da Justiça havia sido avisada que a investigação tinha chegado ao final, mas que dependia de trâmite judicial por envolver alvos com foro privilegiado. Também apontam como fundamental para o êxito da investigação a nomeação do atual superintendente da PF no Rio, Leandro Almada, nome que encontrou resistência em lideranças do estado, mas que foi bancado pelo ex-ministro Flávio Dino e por Andrei Rodrigues.

Do outro lado, na nova gestão da Justiça, eventuais comentários negativos feitos não só por quem deixou a pasta como por integrantes do governo são encaradas com “naturalidade”. Membros da equipe de Lewandowski costumam dizer que o ministro, que passou 17 anos sob os holofotes no Supremo, está acostumado a críticas públicas. Eles entendem que, embora alguns problemas tenham sido “herdados”, não é o momento de apontar culpados, mas de buscar solucionar gargalos.

ARTICULAÇÃO NO CONGRESSO
Diferentemente de Dino, o atual ministro busca ter uma relação mais próxima com o Congresso. Já esteve com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), logo que tomou posse, e teve um novo encontro com ele na terça-feira. O próprio ministro se movimentou junto ao deputado Alberto Fraga (PL-DF) para adiar sua convocação à Câmara para dar explicações sobre Mossoró. Também já recebeu os presidentes das comissões de segurança da Câmara e do Senado e mantém agenda aberta a parlamentares que atuam na área.

— A conversa foi muito boa, ele é gentil e educado. Coloquei a comissão à disposição para tratar de assunto de interesse da segurança do país. E ele, da mesma forma, se colocou à disposição, para quando precisasse ir a comissão — afirma o senador Sérgio Petecão (PSD-AC), presidente da Comissão de Segurança no Senado.

O Globo

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