Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) têm manifestado descontentamento com a articulação do governo Lula (PT), inclusive na relação com os magistrados.
Segundo relatos feitos de forma reservada, as queixas vão do desprestígio no processo de indicações para vagas em tribunais até a sobrecarga da pauta da corte com impasses da esfera política.
As críticas ganharam destaque no momento em que a corte se debruça sobre o conflito entre governo e Congresso em torno da validade do decreto presidencial que aumentou alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
Relator do caso, o ministro Alexandre de Moraesdeterminou na semana passada a suspensão das normas editadas pelo presidente Lula e o decreto legislativo que derrubava as medidas do presidente. Moraes agendou uma audiência de conciliação para o próximo dia 15.
Na disputa, o governo reivindica a prerrogativa de fixação das alíquotas. Embora ministros reconheçam que essa é uma de suas atribuições, ministros têm defendido um diálogo entre Executivo e Legislativo, atuando como uma espécie de poder moderador.
A controvérsia, porém, renovou um ambiente de grande insatisfação de uma ala da corte com o que seria a desarticulação do governo. Um ministro aponta que falta interlocução de alto nível entre o Planalto e o tribunal.
As queixas nesse sentido se acumulam, mas a tensão foi amplificada mesmo quando o presidente Lula escolheu, em maio, o juiz federal Carlos Pires Brandão para uma das duas vagas abertas para o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Brandão contou com o apoio do ministro Kassio Nunes Marques, da chamada cota bolsonarista do tribunal, além do governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT). O juiz foi escolhido sete meses após o STJ montar duas listas de três nomes para o presidente selecionar dois escolhidos.
Ao fazer um aceno para Kassio, Lula desagradou a expoentes do STF, simpáticos a outro pretendente à vaga. Segundo relatos, os ministros Flávio Dino, Gilmar Mendes e Moraes estariam contrariados com a escolha.
O foco dessa disputa se mantém em outra lista para uma cadeira no STJ, composta por membros do Ministério Público.
Nela, estão o procurador de Justiça Sammy Barbosa, do Ministério Público do Acre, a procuradora de Justiça Marluce Caldas, do Ministério Público de Alagoas, e o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, do Ministério Público Federal.
Segundo aliados do presidente, a favorita é Marluce Caldas, tia do prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), o JHC. Apesar de ser do partido de Jair Bolsonaro (PL), o prefeito tem tentado se aproximar da base do presidente.
A escolha de Marluce poderia pavimentar essa aproximação. Defensores de Sammy Barbosa, ministros do STF criticam a possibilidade de a política ser adotada como critério de seleção para um tribunal superior.
Além dos atritos provocados pela frustração das tentativas de apadrinhamento, alguns ministros do STF cobram uma melhora geral na interlocução do governo com o Judiciário.
No caso específico do IOF, magistrados defendem a escalação de outros emissários do Planalto para discutir os temas em julgamento na corte. Atualmente, quem costuma liderar esse processo é o ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), Jorge Messias.
Um dos nomes apontados como credenciados para essa negociação com o STF é o do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, também é lembrado para a missão.
Em meio ao desconforto, a sucessão no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) também ameaça ampliar um foco de indisposição entre ministros do STF. O caso já gerou um problema para o presidente.
A crise foi aberta a partir da decisão da presidente da corte eleitoral, ministra Cármen Lúcia, de elaborar duas listas, divididas por gênero, para a escolha de ministros titulares.
Em uma das listas, Lula terá que decidir entre a ex-secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça Estela Aranha, a ministra substituta do TSE Vera Lúcia Santana de Araújo e a advogada Cristina Maria Gama Neves da Silva.
Estela Aranha é considerada uma escolha pessoal de Cármen. Ela teria o apoio de Dino, com quem trabalhou no Ministério da Justiça, e Gilmar Mendes. Vera Lúcia, por sua vez, contaria com a simpatia de Lewandowski e do chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), bem como de integrantes do grupo Prerrogativas.
Na avaliação de integrantes do governo, essa disputa também deixará sequelas na relação com o tribunal.
A segunda lista tríplice inclui André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques, dois nomes ligados a Moraes que encerraram seus mandatos no TSE em 30 de maio. Como só há possibilidade da escolha de um nome, qualquer decisão de Lula acabará reduzindo a influência do ministro no colegiado.
Folha de São Paulo